domingo, 16 de março de 2008

SUBSTIUIÇÃO




RELAÇÃO ADICTIVA E SUBSTITUIÇÃO


Tendo a personalidade adictiva maturado e sobrepujado o Eu verdadeiro que tenderá a diminuir e, nos casos fatais, a desaparecer, a relação adictiva se estabelece com força.
Análise sobre os meandros da relação adictiva estão especificados em outro artigo centrado nesse assunto. Agora analisaremos a SUBSTITUIÇÃO.
Quando um adicto não aceita real e profundamente sua condição de dependente que o levará a desenvolver seu Eu verdadeiro, pode ter aceitado um "vício" achando que este solucionado tudo ficará bem. A doença da Dependência é mais séria e muito mais mesquinha e trágica do que isso.
Esse é um artigo experimental baseado na observação de um caso estabelecido nas bases que serão aqui apresentadas.
Um adicto na ativa que se conscientiza do mal que o objeto de adicção está lhe provocando poderá fazer grande esforço para reduzi-lo a níveis aceitáveis, ainda assim a doença se manterá intocada uma vez que trabalhou apenas o externo. É nessa condição que a Substituição se estabelece.
Os caminhos mais comuns são de substituir o objeto de adicção, por exemplo, o álcool, por jogo, comida, etc. O mesmo acontece com as drogas onde o usuário ficará pulando de uma para outra e até mesmo chegará à dependência de remédios. Espera-se que seja pelos psicotrópicos e assemelhados, mas há casos em que o objeto de adicção foi deslocado para o inocente analgésico. Em superdoses pode provocar a buscada alteração de humor e levar à sonolência bem vinda para o adicto. A sonolência é o destino final de fuga para os problemas ou situações psíquicas que não consegue controlar ou administrar. Em última instância é a fuga do sofrimento.
É comum que um adicto encontre outro adicto para parceiro, muitas vezes essa convivência simbiótica se rompe se o parceiro for um usuário mais violento e com isso dará ao outro a noção de perigo que atravessam. Então, o mais lúcido diminuirá sua cota de objeto de adicção, mas não se livrará da doença e seu objeto de adicção passará a ser o parceiro.
É comum que não o ame e nem se apiede realmente, mas não rompe a relação. É como se estivesse na frente de um copo ou de uma dose: sabe aonde chegará, mas se mantém fiel. A compulsão impede que haja um real rompimento uma vez que não trata a doença.
A compulsão é a ferramenta mestra da Dependência, é ela que mantém o adicto aprisionado. Só chegando às raízes de sua personalidade adictiva adquirida na primeira infância dentro do meio familiar onde se desenvolveu é que consegue controlá-la. Isso é conquistado pela consciência da dependência e por psicoterapia. Os remédios auxiliares aliviarão a pressão para que haja movimento da parte do adicto em direção à recuperação, mas não curam. Esse ponto é nevrálgico. OS REMÉDIOS NÃO CURAM.
A situação de co-dependência estabelecida dentro deste tipo de relação permite que o usuário continue seu uso livre do controle imposto pelas famílias. As etapas de comportamento reativo das famílias inexistem. O parceiro não estimula a recuperação para não perder seu próprio objeto de adicção que é o outro.
Como se dá tal transferência?
Antes de mais nada é importante analisar o script de vida do adicto. Normalmente desenvolveu a adicção para escapar da dor de se sentir deslocado, imprestável para o mundo que o cerca. É o que podemos chamar de desvalidação. O processo é extremamente doloroso. É a total anulação da capacidade de se desenvolver enquanto ser humano e, principalmente a incapacidade de concorrer com seus iguais. Sempre será o último da fila. Provavelmente, na infância, foi substituído por alguém que considerou melhor ou mais capacitado para usufruir o amor dos pais.
Ao se estabelecer a dependência sobre um adicto sob a aparente forma de salvação do mesmo, necessitaa que este se mantenha adicto. Procura nessa fonte degradante uma validação para si mesmo. Sente-se melhor porque existe alguém mais deteriorado do que ele próprio. É a mudança de humor ansiada para alívio de suas próprias tensões internas.
Como toda a adicção, esta também aumentará com o tempo e o uso, se podemos chamar assim. Na verdade, usar pessoas é mais corriqueiro do que desejaríamos que fosse. Então os malefícios da adicção crescem e a relação se torna quase insuportável, assim como o álcool e a droga destroem o usuário, a convivência destrói o adicto emocional. Ainda assim não abandonará o parceiro e, inclusive, é possível que tente ajudá-lo sabendo que não conseguirá. Se conseguir o jogo se romperá e ele perderá sua "droga" de preferência.
Desmontar a relação estabelecida incluirá mudar o rumo de sua vida ou encontrar outro adicto disposto a partilhar com ele o processo destrutivo. As duas coisas são difíceis e amedrontadoras.
O que existe de trágico nessa dependência é que ela possui muito mais justificativas válidas para o status quo. Como largar a pobre criatura adicta à própria sorte? Se for casal e tiverem filhos, como abandoná-los a essa sorte? E assim por diante. Ao mesmo tempo em que essas justificativas o salvam da decisão de mudança, fazem com que se sinta bem aos próprios olhos: está tentando, não é culpa dele se o outro não colabora mantendo-se agarrado à adicção.
É uma terrível forma de adicção, pois é maquiada por solidariedade com o adicto ativo, preocupação pelas pessoas dele dependentes e não têm nenhum estímulo adictivo químico (se tiver estará sob razoável controle), ou seja, é invisível. E as saídas da situação terão, aparentemente, ingredientes de crueldade, uma vez que será preciso afastar-se do adicto, romper vínculos, estabelecer novas metas, pelo menos até recuperar a si próprio para poder socorrer verdadeiramente o parceiro.
Quanto à questão de ajudar um adicto nunca devemos esquecer que por mais que tenhamos conhecimento claro de sua doença, quem tem que adquirir essa certeza é o próprio adicto e ele é quem definirá sua posição diante da recuperação. O máximo possível é acompanhá-lo pelos caminhos que terá que trilhar. Caminhos novos e, em princípio, de sofrimento até que a consciência da libertação se faça. Mas uma vida inteira de aprisionamento vale mil vezes, os poucos meses de indignação consigo mesmo.
Consciência e admissão da doença e dos processos doentios é a única forma de achar o caminho da recuperação. Caminho árduo que exige coragem, humildade e determinação férrea. E que oferece em troca, tranqüilidade, alegria legítima e crescimento emocional e psíquico.

sábado, 15 de março de 2008

COMPORTAMENTO FAMILIAR


SEQUÊNCIA DE COMPORTAMENTOS PREVISÍVEIS DAS FAMÍLIAS DE DEPENDENTES.
COMPULSIVOS

As famílias, assim como o próprio adicto, têm comportamentos previsíveis uma vez que a dependência, ou a co-dependência, enquanto doença tem seu próprio ritmo.
As etapas percorridas não são, necessariamente, numa ordem fixa, podem pular, retroceder, ser retomadas mais de uma vez. A seqüência apresentada é a mais freqüente, sendo que a Negação é sempre o primeiro estágio. Também não é final indefectível o Distanciamento, é possível estacionar na eterna ajuda.
Não há certo ou errado nesse processo, o que há é o processo em si.
O maior risco para as famílias é se tornarem co-dependentes, ou seja desaprendem de viver sem um adicto em ativa. Não sabem lidar com a situação e, mesmo que haja recuperação, ou até por isso, o relacionamento se deteriora.
O mais adequado seria a família do adicto também procurar ajuda terapêutica, não apenas para aprender a conviver com um adicto como para sanar a si mesma da co-dependência.

As etapas são:

* Resistência/ Negação
A família reluta em admitir o problema. Minimiza com explicações capengas:
- Não, ele não bebe tanto assim.
- É apenas no final de semana.
- Ele não tem mais nada de bom na vida.
- É só quando relaxa.
- É só em festas.
No entanto o adicto, mesmo que não diário, vai até a última gota. Se for na festa terá uma série de comportamentos inadequados, em casa terá alteração de humor que pode passar do nostálgico ao agressivo. Cada adicto tem seu próprio sistema que corresponde à raiz de sua doença.
Nos finais de semana a bebedeira só cessará no domingo de noite. E assim infinitos exemplos.
O mesmo processo acontecerá com as droga. Se o adicto usar maconha, a família alegará que é "uma droga menor". No entanto, a potencialidade da droga usada não é importante, a dependência e seus mecanismos sim.
Se for cocaína, ou outra droga mais pesada o "não ver", "não perceber", até chegar na desculpa permanecerá durante um tempo mais longo.

* Tentativa de Controle
A família tenta impedir o comportamento problemático evitando festas, idas à restaurantes e qualquer outra atividade onde possa ter bebida.
Passa a controlar horários, gastos, saídas (principalmente as noturnas). No caso de filhos gerenciará a chegada e o estado do usuário. É freqüente começarem as inspeções nos pertences, as buscas disfarçadas nas gavetas e bolsos. As perguntas dissimuladas também fazem parte desta etapa:
- Saíste com Fulano ou Beltrano? Te divertiste? Aonde foram?
É comum o controle de quantidade usada se a adicção for socialmente aceita.
- Já bebeste bastante, chega!
- Já tomaste tantos copos.
E assim por diante.
Quando percebe que isso não funciona, geralmente, vem a raiva, o medo e outros sentimentos negativos que serão transferidos ao adicto.

* Ajuda
Procura direta ou indireta de ajuda.
É comum que os familiares proponham ao adicto uma visita a um médico, terapeuta, pai-de-santo, ou padre. Outro método usado é deixar à mão reportagens sobre abuso de drogas e/ou álcool. Descobrir na TV um programa sobre o assunto e ligar bem alto. Se houver ascendência de alguma pessoa amiga ou familiar não tão envolvido, será pedida, frequentemente em segredo, uma conversa com o usuário.

* Decisão
A família começa a questionar a validade de permanecer com o adicto. Esse comportamento é mais freqüente entre cônjuges e quando as separações se estabelecem. O desgaste já atingiu marcas insustentáveis.
O questionamento parte de perguntas como:
- Eu vou continuar com essa pessoa?
- Não estarei pondo a minha própria vida a perder?
- Valerá a pena permanecer? Será que ele ou ela tem jeito?
Esse momento é o mais difícil porque é quando o adicto é abandonado. Ou será suportado e passará a família para a etapa mais dolorosa tanto para o adicto quanto para a própria família.

* Distanciamento
Uma vez tendo decidido permanecer acompanhando o adicto há um "distanciamento". Moram na mesma casa mas, a interação deixa de existir. O adicto passa a ser quase invisível. A vida em comum deixa de existir.
De qualquer maneira, ignorando ou não o adicto a irritação tomará conta da família e é comum que a agressão verbal seja a forma de comunicação. Ou as respostas curtas que cortam toda possibilidade de aproximação.
Essa é a etapa mais difícil de ser trabalhada, as justificativas de ambos os lados se tornaram muito fortes.
Adiciono aqui a experiência ouvida por uma terapeuta especializada em famílias adictivas. Conta ela:
Acompanhando em terapia uma família soube que esta combinara uma viagem conjunta, quando foi interpelada pelo usuário de para onde iriam, respondeu:
- Nós vamos, tu ficas.
É um símbolo muito forte de abandono e total afastamento.
Torna-se difícil reconstruir uma relação emocional de partilha senão houver uma mudança forte por parte do usuário.
As mães são as que agüentam por mais tempo e é comum nunca chegarem nessa etapa de distanciamento total embora tenham grandes chances de se tornarem co-dependentes e sofrerem tanto quanto o adicto.
Quando o adicto é parte de um casal, nesse momento a separação fica inadiável, na verdade a parte que rompe os laços procura a auto preservação e escolhe uma vida saudável.