Relacionamento é a capacidade, em maior ou menor grau, de relacionar-se, conviver (viver com, viver em comum) ou comunicar-se com o outro. É ligação de amizade, afetiva, profissional, social, etc., condicionada por uma série de atitudes recíprocas.
Atitudes recíprocas... Pensemos sobre isso: Trocas feitas que pertencem a todos os envolvidos. Portanto, começamos a derrubar a noção de responsabilidade única. Nunca somos apenas nós, ou apenas o outro que gera qualquer tipo de relação. É sempre mútuo. Assumamos o que nos compete. Compete a cada um reconhecer suas faltas, fragilidades e assim responsabilizar-se sobre elas.
Esta é uma pedra de toque para qualquer pessoa, para um dependente torna-se quase intransponível.
Faz-se necessário despirmo-nos de preconceitos (conceituar antes) e principalmente da síndrome da verdade absoluta, ou do conhecido “Joãozinho do Passo Certo”. Seja qual for o tipo de relacionamento, ele envolve mais do que um e, portanto, mais de uma verdade.
Sem dúvida para um dependente em recuperação tudo se complica, há muitas coisas a serem sanadas, reorganizadas e transformadas. É nessa hora que a precipitação será a maior inimiga e o discernimento um aliado.
“Quando a dependência ataca, surgem situações anormais que prejudicam o companheirismo e a compatibilidade entre as partes. À medida que as coisas vão piorando, o dependente se transforma numa criança doente e irresponsável, que precisa ser cuidada e tirada de inúmeras embrulhadas e becos sem saída. De forma gradual e geralmente, sem perceber, a esposa é obrigada a se transformar em mãe; os filhos em pais; os amigos em tutores e os esposos em pais. O alcoólico, menino transviado ora ama, ora odeia esses cuidados.”
Qualquer pessoa tem problemas de relacionamento, é o grande desafio do ser humano: relacionar-se. Muitas vezes não consegue sequer relacionar-se consigo mesmo. No dependente, no entanto, o problema se agrava, uma vez que suas dificuldades ficam aumentadas pelo objeto da dependência que corrompe seu raciocínio e amplifica suas emoções, ou as torna nulas. O discernimento simplesmente não existe. O trajeto para entrar em contato com seus sentimentos verdadeiros é mais árido do que para a maioria das pessoas, entendê-los e transformá-los é uma tarefa para toda a vida. Com certeza os resultados deste empenho são extremamente compensatórios, se traduz em serenidade e, frequentemente em alegria e felicidade.
A troca de experiências que um grupo de auto-ajuda, ou melhor, mútua ajuda é de inestimável importância. Para seu total êxito a honestidade, a coragem e a transparência são ferramentas fundamentais. É onde entra, muitas vezes a contra gosto do dependente, o Quarto Passo.
“Qual é o pior item de sua lista? Qual é a coisa, mais do que qualquer outra que você preferiria não me contar?” Perguntou meu padrinho me olhando com firmeza. Ele era conhecido dentro de meu grupo como o “Monstro do Quarto Passo”.
Às vezes podemos nos surpreender como há muitas piores coisas e fica difícil selecioná-las. É preciso perguntar ao coração, onde se esconde a pior, mesmo que não envolva ação, acredito que nunca está na ação. A ação é sempre reação aos sentimentos então a raiz do mais difícil é neles que está guardado o principal ingrediente de nossas doenças emocionais e psíquicas.
O Quarto Passo é uma espécie de reprodução do primeiro porque ainda estamos lidando apenas conosco mesmo, é para nós e a nossa sanidade que precisamos encontrar algumas respostas importantes e chegaremos a elas através da análise de nossas falhas.
A troca de experiência neste momento ajuda a clarear nossos pensamentos e sentimentos tumultuados. A sinalização feita por um companheiro de jornada pode iluminar o caminho e o que era tão difícil torna-se fácil. Aliviar o coração é como descarregar um saco de pedras.
Quando conseguimos nos perdoar criamos uma convivência agradável conosco e ao aumento da auto-estima. A partir daí nos habilitamos a nos relacionarmos com menos mágoas, ressentimentos e sovinice emocional.
Dentro de um grupo de auto-ajuda damos os primeiros passos para a convivência, treinamos a não termos medo de nos expor, a parar de nos esconder atrás da soberba e da pretensão de sermos os absolutos possuidores da verdade e nos preparamos para todos os demais relacionamentos.
O que mais pode interferir nesse processo é o Medo.
O companheiro Bill W. disse:
Quando um bêbado está com terrível ressaca porque bebeu em excesso ontem, ele não pode viver bem hoje. Mas existe um outro tipo de ressaca que todos experimentamos, bebendo ou não.
Essa é emocional, resultado direto do acúmulo de emoções negativas de ontem e, às vezes, de hoje – raiva, medo, ciúmes e outras semelhantes.
Se quisermos viver serenamente hoje e amanhã, sem dúvida precisamos eliminar essas ressacas. Isso não quer dizer que precisamos perambular morbidamente pelo passado. Requer, isso sim, uma admissão e correção dos erros cometidos AGORA.
“Poucas pessoas podem afirmar com sinceridade que amam todo mundo. Quase todos nós precisamos admitir que temos amado apenas algumas pessoas, que temos ido indiferentes a muitas. Quanto às outras, bem, temos tido realmente antipatia ou aversão total delas.”
Nós, dependentes, descobrimos que precisamos de alguma coisa muito melhor, a fim de manter nosso equilíbrio. A idéia de que podemos amar possessivamente algumas pessoas, ignorar muitas e continuar a temer ou a odiar quem quer que seja tem que ser abandonada, mesmo que aos poucos. Provavelmente não chegaremos nunca a um amor incondicional, mas podemos perseguir esse ideal. Bastarmo-nos em dizer que não temos afinidades com esse ou aquele, mas nem por isso expugná-lo da qualidade de ser humano. Tão forte ou frágil; resolvido ou nem tanto; consciente ou alheio, como eu mesmo.
“Podemos procurar não fazer exigências descabidas àqueles que amamos. Podemos demonstrar bondade, onde antes não tínhamos demonstrado. Demonstrar a compreensão que tanto ansiamos. Com aqueles que não simpatizamos podemos começar a praticar cortesia e civilidade, nos esforçando para enxergar por trás dele uma criança tão assustada e falha quanto nós”.
Algumas vezes, quando os amigos nos sinalizam algum comportamento nosso, é com humildade e verdade que devemos prestar atenção, provavelmente estará enxergando o que não podemos ou não queremos enxergar. Não sabemos ainda lidar com nossa Integridade, não estamos ainda uma Unidade, somos aos pedaços. Existem falhas, algumas graves que temos a obrigação de investigar se realmente buscamos, com seriedade e convicção, a serenidade.
A busca de relacionamento honesto e digno poderá acarretar termos que enxergar o outro além de nós mesmos. Esta é uma parte delicada da questão. Olhar o outro sem pré-julgamento, sem levantar culpas e responsabilidades passadas, não é nada fácil. Enxergar as fragilidades do outro sem jogar-lhe na cara é tarefa árdua para qualquer pessoa e muito mais para nós que buscamos, a todo o momento, justificativa para nossas faltas.
Mas relacionar-se é olhar a nós e ao outro e precisamos nos despir primeiro para contaminar o menos possível nossa percepção do parceiro, seja em que área for. Com certeza a franqueza e honestidade de exposição de nosso ponto de vista, feita com delicadeza e equilíbrio é o caminho adequado para apararmos as arestas que surgem inevitavelmente, até com o melhor amigo.
Texto baseado "Na Opinião de Bill"