sábado, 19 de novembro de 2011

MODELO COGNITIVO DAS ADICÇÕES E RECAÍDAS

Há um sistema repetitivo e automático exercendo força na Adicção e depois na Recaída, considerada quase uma das fases da doença. Essa afirmativa é perigosa uma vez que contém em seu cerne o permisso de recair. Pode gerar, inclusive, dependentes que as têm programadas.
O processo é um círculo vicioso ao qual o dependente deve estar atento, podemos chamá-lo de emboscada psíquica, pois vem carregado de injunções repetitivas com o agravante do estigma de que não podemos fugir delas.
Surge a SITUAÇÃO ESTÍMULO, pode ser tanto externo (um acontecimento fora do Si mesmo), quanto interno (comandos emocionais inconscientes que abrangem uma gama enorme de sentimentos). É vulgarmente conhecida como GATILHO.
O passo seguinte é a CRENÇA CENTRAL, o dependente crê não ter força contra o embate sério e profundo entre seu Eu verdadeiro e seu Eu adicto que, na ativa sobrepõem-se ao Eu real dominando-o assim como a erva-de-passarinho lentamente mata a árvore. Cede à crença enraizada de que é impotente diante da situação a ser ultrapassada e não arrisca a Transformação.
Diante desse impasse conflitado surge o PENSAMENTO AUNTOMÁTICO. Só existe uma maneira de suportar estes sentimentos robotizados: o uso do objeto adictivo seja ele qual for e isso admite a SUBSTITUIÇÃO, se estiver abstinente, qualquer outro que se vincule às suas respostas adictivas.
A aceitação do PENSAMENTO AUTOMÁTICO leva, inquestionavelmente, à FISSURA.
“ O craving ou “fissura” – como e designado, popularmente pelos dependentes químicos no Brasil – e um conceito um tanto controverso. Pode-se aceitar a definição mais comum e considerar que é um intenso desejo de utilizar uma especifica substancia1-4, ou, então, concordar com outros vários
conceitos descritos pelos pesquisadores deste tema: desejo de experimentar os efeitos da droga; forte e subjetiva energia; irresistível impulso para usar droga; pensamento obsessivo; alívio para os sintomas de abstinência; incentivo para auto-administrar a substancia; expectativa de resultado positivo; processo de avaliação cognitiva e processo cognitivo não-automático.
A definição do craving:
A Organização Mundial de Saúde (OMS) reuniu um comitê de especialistas em dependência química que definiu o craving como um desejo de repetir a experiência dos efeitos de uma dada substancia.
Este desejo pode ocorrer tanto na fase de consumo quanto no início da abstinência, ou após um longo tempo sem utilizar a droga, costumando vir acompanhado de alterações no humor, no comportamento e no pensamento.
O conceito mais utilizado de craving, como já foi enfatizado, é o que se refere a um intenso desejo para consumir determinada substância, porém pode ser mais amplamente definido como o reflexo de um estado de motivação orientado para o consumo de drogas, conceito este que integra a idéia de desejo com utilização da substância.
O craving pode ser classificado em quatro tipos:
1. como resposta à síndrome de abstinência;
2. como resposta a falta de prazer;
3 . como resposta condicionada a estímulos relacionados às substâncias psicoativas; e como tentativa de intensificar o prazer de determinadas atividades. Obviamente, é fácil perceber, que uma mesma situação pode fazer parte de mais de um destes grupos, tendo múltiplos determinantes.
Segundo Marlatt e Gordon, o craving é um estado motivacional subjetivo influenciado pelas expectativas associadas a um resultado positivo, estado este que pode induzir uma resposta na qual o comportamento desejado esteja envolvido.
Outro caminho na evolução do entendimento deste construto define o craving como um termo que engloba não somente o desejo, como a intenção de realizar este desejo, a antecipação dos efeitos positivos associados a sua utilização e o alivio do afeto negativo e dos sintomas relacionados a abstinência.”
A FISSURA que é carregada de ansiedade e angústia, tem como única resposta a CRENÇA PERMISSIVA.Significa que para livrar-se do estado negativo e sofrido tudo é permitido, a dor não deve ser vivenciada.
Mesmo estando abstinente o dependente começará a engendrar um PLANO DE AÇÃO para atingir seus objetivos. Como é extremamente criativo e manipulador nesta hora, provavelmente atingirá, mais cedo ou mais tarde, o seu intento.
No primeiro uso estabelece-se a RECAÍDA.
O círculo vicioso começa seu curso que só será interrompido pela ajuda dos Grupos de Auto Ajuda, terapia ou internação.
Depois do USO INICIAL, o dependente voltará a uma SITUAÇÃO ESTÍMULO que é o próprio uso.
O conhecimento deste método distorcido pode despertar a consciência do dependente de modo que o rompa antes de se estabelecer.


Vana Comissoli

terça-feira, 7 de junho de 2011

AMOR É ISSO?




Você quer um amor, custe o que custar?

:: Rosana Braga ::


Algumas pessoas, depois de passar um longo tempo sem namorar, entram numa espécie de redemoinho de ansiedade e desespero, pensando e agindo de modo visivelmente desesperado para conseguir engatar um encontro, um caso, qualquer que seja a forma de vínculo.

Claro que a maioria nem percebe essa dinâmica desvairada que adota. Muitos acreditam mesmo que estão apenas "lutando" por alguém que lhes interessa - e nada mais natural. Mas a questão é que sempre tem alguém, ou melhor, essas pessoas se apaixonam e se desapaixonam quase que semanalmente.

Há ainda aquelas que nunca ficam sem uma história de "amor". Estão sempre enroladas e sofrendo. E, assim, terminam assumindo como seus aqueles perfis sustentados pelo azar: "tenho o dedo podre para relacionamentos", "só atraio pessoas erradas", "não nasci para ser feliz no amor", entre outros.

E, apesar disso, praticamente afogadas na inconsciência e na falta de autoconhecimento, essas pessoas não se dão conta de que precisam parar, olhar para si mesmas, sentir e, sobretudo, refletir sobre algumas questões básicas: "o que eu realmente quero?", "o que estou buscando no outro que, talvez, devesse encontrar antes em mim mesma?", "por que será que não tem dado certo?", "será que devo mudar algo em mim para que os encontros sejam mais harmoniosos?".

Se você tem se sentido angustiado, carente e frustrado porque não consegue namorar, cuidado com a cilada do "vou conseguir, custe o que custar". Veja bem: quando você se predispõe a pagar qualquer preço por uma companhia, só pra poder "provar", seja para si mesmo ou para quem quer que seja, que você é capaz de atrair um par, é muito provável que a conta, isto é, o tal preço de custo seja bem mais alto do que você imaginava.

Relacionamento tem de ser caminho para a evolução e não para a involução, para a autodestruição, para a aniquilação de autoestima, segurança e amor próprio. Amor tem de ser gratuito, fluido, gostoso. Encontro tem de ser leve, divertido, motivador. Namoro tem de ser sinônimo de troca, reciprocidade, acréscimo, encantamento.

Mas tudo isso de bom só é possível quando você tiver noção do quanto merece, do quanto realmente pode ser feliz. E, assim, em vez de pagar para ter alguém em sua vida, compreenderá que se fôssemos comparar o entrelaçamento de dois corações com uma negociação, estaria mais para uma permuta: você dá o seu melhor e recebe do outro o melhor que ele tem a oferecer. Ninguém precisa pagar nada. Não há custos, a não ser o da aprendizagem.

Portanto, pare de atirar para todos os lados, desperdiçar os seus dias em função de um outro que você nem sabe se lhe quer. Desespero não atrai e sim espanta, assusta. Lembre-se: para atingir um alvo, você precisa de foco, precisão e conhecimento. E para conquistar um coração, você precisa de sensibilidade, cuidado, respeito e autopercepção. Se conseguir exercitar o melhor dessas artes, é bem provável que você pare de pagar -e muito caro- para viver encontros que mais servem para te roubar toda sua esperança do que para te fazer feliz de verdade...

domingo, 29 de maio de 2011

OXI

Folha de São Paulo - DE SÃO PAULO

Especialistas monitoram o uso de mais um subproduto do crack a partir de relatos à rede de tratamento. "Falam do óxi como uma nova substância com efeito mais forte e cheiro distinto, que provoca mais diarreias", relata Ronaldo Laranjeira, presidente do Instituto Nacional de Políticas de Álcool e Drogas.

Mais impuro, o óxi tem potencial para agravar problemas pulmonares, em função da inalação de gasolina e outros solventes. "Até dois meses atrás, achava que nada podia ser pior que o crack", diz Laranjeira. "Os danos cerebrais e neurológicos podem ser ainda maiores."

Titular da departamento de psiquiatria da Unifesp, ele afirma que não deu tempo ainda de analisar impactos. "Entre experimentar e substituir o crack pelo óxi leva tempo", diz. "Muita gente vai morrer e ficar doente para que se consiga constatar os estragos do óxi à saúde.



Oxi, uma droga ainda pior



O oxi – uma pedra tóxica feita com cal, gasolina e pasta de cocaína – se espalha pelo país e assusta as autoridades mais que o crack

Época - HUMBERTO MAIA JUNIOR, COM RODRIGO TURRER

LONGE DEMAIS

Pedro, de 27 anos, numa clínica para dependentes em São Paulo. Usuário de crack, ao provar oxi sentiu que sua vida estava em risco.
Pedro tinha 8 anos quando começou a fumar maconha. Aos 14, experimentou cocaína. Com 19, foi apresentado ao crack. “Eu fumava cinco pedras e bebia até 12 copos de pinga.” Em janeiro deste ano, seu fornecedor de drogas, em Brasília, passou a oferecer pedras diferentes, com cheiro de querosene e consistência mais mole. Pedro estranhou. “Dizia a ele que a pedra estava batizada, que não era boa. O cara me dizia que era o que tinha e ainda me daria umas (pedras) a mais.” Não demorou para Pedro notar a diferença no efeito. A nova pedra era mais viciante. Para não sofrer com crises de abstinência, dobrou o consumo para até dez pedras por dia. Descobriu então que, em vez de crack, estava fumando uma droga chamada oxi. “Quando soube, vi que estava botando um veneno ainda maior no meu corpo. Fiquei com medo de morrer.” Aos 27 anos, depois de quase duas décadas de dependência química, Pedro sentiu que tinha ido longe demais. Internou-se numa clínica.
A história de Pedro (nome fictício) ilustra o terror provocado pelo oxi, droga que está se espalhando rapidamente pelo Brasil. O oxi está sendo tratado pelos médicos como algo mais letal que o crack, considerado até agora a mais devastadora das drogas. Mas é consumido por pessoas que não sabem disso, porque é vendido em bocas de fumo como se fosse crack. “O oxi invadiu os postos de venda tradicionais. Isso preocupa”, diz o delegado Reinaldo Correa, titular da Divisão de Prevenção e Educação do Departamento de Investigações sobre Narcóticos (Denarc), da Polícia Civil de São Paulo.

A primeira apreensão confirmada do oxi em São Paulo ocorreu quase por acaso. Em março, a polícia apreendeu 60 quilos de algo que foi classificado como crack. O equívoco foi corrigido quando esse carregamento foi usado numa demonstração para novos policiais. “Queimamos algumas pedras e, pelos resíduos, concluímos que era oxi”, afirma Correa. Quase diariamente, a polícia de algum Estado do Brasil anuncia ter apreendido a droga pela primeira vez (leia o mapa abaixo) . Em alguns casos, como em Minas Gerais, Bahia, Paraná e Rio Grande do Sul, as primeiras apreensões foram feitas na semana passada. Não é que o oxi surgiu em tantos lugares em tão pouco tempo. Ele já havia se espalhado sem ser notado.

Como o crack, o oxi é vendido em pedras que, quando queimadas, liberam uma fumaça. Inalada, em poucos segundos vai para o cérebro, provocando euforia e bem-estar. “Visualmente, são quase idênticas”, diz Correa. A diferenciação pode ser feita pela fumaça, que no caso do crack é mais branca, ou pelos resíduos: o crack deixa cinzas, enquanto o oxi libera uma substância oleosa. Por causa da dificuldade em distinguir uma droga da outra, é impossível ter exata noção da penetração do oxi entre os usuários. “Sabemos apenas que ele está aqui há algum tempo”, afirma Correa.

Recente nos Estados mais ao sul do país, o oxi é velho conhecido dos viciados da Região Norte. Acredita-se que a droga entrou no Brasil ainda na década de 1980, a partir de Brasileia e Epitaciolândia, cidades do Acre que fazem fronteira com a Bolívia. O consumo da substância foi registrado por pesquisadores em 2003, quando Álvaro Mendes, vice-presidente da Associação Brasileira de Redução de Danos (Aborda), pesquisava o uso de merla, outro derivado da cocaína, entre os acrianos. “No primeiro momento, o oxi era usado pelas classes sociais mais baixas e por místicos que iam ao Acre atrás da ayahuasca (chá alucinógeno usado em cerimônias do Santo Daime)”, diz Mendes. A droga chegou à capital, Rio Branco, de onde se espalhou para outros Estados da região. “Hoje, é consumida em todas as classes sociais”, diz Mendes.

sexta-feira, 1 de abril de 2011

CRAVING OU FISSURA

RESUMO
O craving ou fissura, cuja definição mais comum é o desejo intenso por uma substância, é um conceito controverso entre os pesquisadores da área da dependência química.
OBJETIVO: Realizar revisão teórica a respeito do craving nos bancos de dados PsycInfo, Medline, ProQuest e Science Direct.

MÉTODO: As palavras-chave utilizadas foram craving, dependence e drug e o período pesquisado foi entre 1995 e 2007.

RESULTADOS: Os resultados demonstraram que são encontrados diversos significados para o craving, alguns se restringindo a desejo, e outros, considerando-o não só como desejo, mas como antecipação do resultado positivo do uso da substância, alívio dos sintomas de abstinência ou afeto negativo e intenção de fumar, o que reflete uma visão multidimensional deste construto. A etiologia do craving pode ser explicada por intermédio dos modelos: comportamental, cognitivo ou psicossocial e neurobiológico, porquanto a opção por um destes influencia a avaliação e o manejo.

CONCLUSÃO: Conclui-se quanto à multidimensionalidade do craving e quanto à necessidade de que seja utilizado um modelo biopsicossocial que integre os diversos modelos no tratamento de dependentes químicos. Destaca-se a importância da realização de mais estudos para a compreensão do craving em função deste ser um dos principais riscos de recaída.

INTRODUÇÃO
A idéia de elaborar este estudo surgiu a partir de dois pacientes que informaram, em ocasiões diferentes, que superavam o craving ingerindo doces. Na situação de craving um dos pacientes chegava a consumir até uma lata de leite condensado e o outro três barras de chocolate ao leite. Esses pacientes estavam em tratamento por dependência de cocaína aspirada em ambiente protegido. Geralmente, no ambiente protegido, o craving é superado com a ajuda psicológica e psiquiátrica, com o apoio da equipe de enfermagem, de colegas de tratamento ou pelo próprio paciente dirigindo-se para uma atividade, por exemplo prática esportiva.
Craving, também chamado fissura, "é um forte impulso subjetivo para usar a substância", experimentado pela maioria, senão por todos os dependentes de substância psicoativa (DSM-IV, 1995). Craving é um fenômeno que resulta em respostas fisiológicas e psicológicas a partir de um forte desejo para obter e consumir a substância. O anseio pela substância estaria associado com indicadores que lembram o reforço positivo e não com indicadores que evocam a abstinência, já que as drogas podem ser reforçadoras pela extinção dos estados aversivos (JAFFE, 1999a).
Estudos têm relacionado o craving com alterações em neurotransmissores como a depleção de dopamina, alterações do nível de serotonina (SATEL et al, 1995; LITTLE et al, 1996; JACOBSEN et al, 2000) e alterações no sistema límbico e lobo frontal (CHILDRESS et al, 1999; WEXLER et al, 2001). As ações de reforço associadas à gratificação de alimento, sexo ou de certas drogas dependem criticamente do circuito dopaminérgico. Há evidências que drogas como a nicotina, canabinóides e cocaína ativam trajetos dopaminérgicos especialmente ligados ao núcleo acumbente. Entretanto, as ações da cocaína não são seletivas apenas para a dopamina. A cocaína tem quase igual potência para bloquear a recaptação da norepinefrina, serotonina e, em certa medida, a acetilcolina. Também as propriedades reforçadoras não são exclusivas da droga ou do estímulo. Estudos laboratoriais, com voluntários humanos pós-adição sobre o metabolismo da glicose cerebral e fluxo sangüíneo cerebral, demonstraram que quando os sujeitos experienciam euforia induzida por opióides ou cocaína há uma diminuição no metabolismo de glicose cerebral, principalmente nas áreas corticais (JAFFE, 1999a, 1999b).
Açúcares são encontrados naturalmente em muitos alimentos. Açúcares são carboidratos convertidos em glicose pelo trato digestivo e pelo fígado antes de chegarem às células. No interior das células reagem quimicamente ao oxigênio sob a influência de inúmeros enzimas que controlam as reações e catalisam a energia. Essas reações oxidantes ocorrem geralmente no interior das mitocôndrias e a energia liberada é, em grande parte, usada para formar o ATP, o qual é utilizado por cada célula nas reações metabólicas intracelulares. Glicose no sangue estimula a secreção de insulina que promove sua captação, armazenamento e sua rápida utilização para os tecidos do corpo, especialmente nos músculos, tecido adiposo e fígado. Quantidades de glicose, na ausência de insulina, ficam concentradas no fígado e no cérebro. O tecido cerebral difere de outros tecidos do corpo, pois a insulina exerce nele pouco ou nenhum efeito sobre a utilização ou a captação da glicose. Os neurônios são permeáveis à glicose, utilizando-a para fins energéticos (GUYTON e HALL, 1997).
Neste estudo referimos em especial à sacarose, o açúcar extraído da cana de açúcar, e à lactose, o açúcar do leite, que são muito utilizados nas receitas caseiras e industriais de bolos, doces, confeitos, sucos, refrigerantes, enfim, na composição de inúmeros produtos alimentícios.
Estudos epidemiológicos apontaram que o consumo de açúcar, como de outros carboidratos, está associado a fraqueza e não com obesidade (ANDERSON, 1995). Para WURTMAN e WURTMAN (1995) a liberação de serotonina no cérebro depende do tipo de alimento consumido. Os carboidratos durante a digestão são desdobrados em aminoácidos, vitaminas e minerais, os quais são absorvidos indo para a corrente sanguínea. Uma reação química faz o aminoácido triptofano se desligar da proteína albumina e circular livremente no sangue. Dessa maneira, mais triptofano livre chega ao cérebro para a fabricação de serotonina.
Portanto, aumento de serotonina está relacionado com consumo de carboidratos, fato que não ocorre quando da ingestão de proteínas. Essa sinalização dos neurotransmissores, (consumo de carboidratos ? aumento de serotonina) é um vínculo no mecanismo de re-alimentação que regularmente mantém o consumo de carboidratos e proteínas. Consequentemente há pessoas que aprendem a consumir demais certos alimentos ricos em carboidratos e gorduras porque se sentem bem devido o aumento da serotonina. Esse aprendizado para utilizar certas comidas, à semelhança de uma droga, um tipo de relação chamada de "comida e humor", pode resultar em ganho de peso, fato que se observa em mulheres com síndrome pré-menstrual, em pessoas com "depressão de inverno", em pacientes bulímicos com peso normal ou em pessoas que estão tentando parar de fumar, já que a retirada de nicotina, tal como uma dieta de carboidratos, diminui a secreção de serotonina no cérebro, o que pode tornar essas pessoas irritadas ou deprimidas (WURTMAN e WURTMAN, 1995).
Açúcar já foi responsabilizado por vários transtornos, inclusive hiperatividade em crianças, mas refutados em ensaios clínicos (LEE e PAFFENBARGER JR, 1998). Existem poucos apoios à evidência que o consumo de açúcar tenha efeito significativo no comportamento e desempenho cognitivo de crianças. Parece que há um papel da glicose na potenciação da memória, mas a relevância clínica e os mecanismos envolvidos requerem pesquisas adicionais a esse respeito. Não há dados significativos que a sacarose tenha propriedades analgésicas, porém, especialmente em crianças, pode ter um efeito sedativo (WHITE e WOLRAICH, 1995; WOLRAICH, WILSON e WHITE, 1995).
KAMPOV-POLEVOY, GARBUTT e JANOWSKY (1997) e KAMPOV-POLEVOY et al (1998) encontraram uma associação entre a preferência para soluções mais fortes de doces e dependência de álcool. Preferência exagerada por doces e a tendência para novas experiências pessoais estariam ligadas ao alcoolismo, já que as reações ligadas ao prazer pelo açúcar e pelo álcool no cérebro são muito parecidas.
A informação de dois pacientes que consumir um alimento doce fazia superar o craving e a conseqüente base teórica apresentada foram as principais justificativas para a elaboração deste estudo. Assim, levantou-se a seguinte questão: a superação do craving consumindo doce são dados isolados experienciados por esses dois pacientes ou um comportamento mais freqüente em dependentes de cocaína crack?
Daí, o desenho de um estudo clínico transversal de observação, portanto exploratório, com o objetivo de constatar a freqüência e a relação craving-consumo de doce em pacientes em tratamento por dependência de cocaína aspirada e/ou crack.

MÉTODO
Este estudo foi desenvolvido na Clínica Mirante do Instituto Bairral de Psiquiatria de Itapira, Estado de São Paulo, cujo programa terapêutico atende pacientes voluntários dependentes de substâncias psicoativas em ambiente protegido. O trabalho é nos moldes de comunidade terapêutica e coordenado por uma equipe multidisciplinar (ZAGO et al, 1999).
Portanto, a amostra foi constituída de pacientes em tratamento e aqueles que cumpriam os critérios de inclusão eram selecionados para o estudo, depois de devidamente informados e de consentirem livremente sua participação na pesquisa.
Os dados para a inclusão/exclusão foram obtidos por meio dos prontuários clínicos dos pacientes.
Os critérios de inclusão foram: idade entre 15 a 65 anos; ambos os sexos; primeiro diagnóstico de dependência de cocaína e/ou crack; e outros diagnósticos por uso nocivo, abuso ou dependência de outras substâncias psicoativas de acordo com a CID-10 (1993).
Foram critérios de exclusão: diagnóstico de outros transtornos que não abuso ou dependência de substância psicoativa de acordo com a CID-10 (1993); histórico de diabetes identificado por exame clínico.
O exame psiquiátrico e o diagnóstico eram elaborados por um dos psiquiatras da equipe na admissão do paciente.
O paciente incluído no estudo era entrevistado individualmente e a entrevista era conduzida obedecendo os seguintes itens:
◦dados sócio-demográficos;
◦tempo de internação (abstinência);
◦ausência/presença de ocorrência de craving no período de abstinência, isto é, durante a internação: ausente; de 1 a 3 vezes; mais de 3 vezes. Se presença de craving: consumo de algum doce (produto alimentício, caseiro ou industrializado, sólido, pastoso ou líqüido, tendo o açúcar de cana (sacarose) ou o leite (lactose) como um de seus ingredientes; que não é salgado, azedo nem picante) durante o craving e experienciando que o craving foi superado com a ingestão desse alimento. Se afirmativo, qual doce consumido nessa ocasião?
◦freqüência do consumo de doce antes da internação (pressupondo o uso da substância) e durante a internação (em abstinência da substância): nenhum; de 1 a 2 vezes/semana; de 3 a 5 vezes/semana; mais de 6 vezes/semana.
Por ser um estudo clínico transversal e de observação, os dados foram analisados em freqüências absolutas e relativas. Foram construídas tabelas a partir dos dados obtidos.

RESULTADOS
Ttabela 1: os dados descritivos e comparativos das variáveis sócio-demográficas da amostra (n = 26). Da amostra, 42,3% dos pacientes entrevistados responderam não sentir craving na abstinência (durante a internação) (não-craving; n = 11); 26,9% responderam positivamente para craving ( craving; n = 7) e 30,7% responderam que sentiram craving e o superaram consumindo doce (craving-doce; n = 8). No total, 57,6% (n = 15) da amostra referiram sentir craving.
As características sócio-demográficas mais freqüentes da amostra foram: 92,3% do sexo masculino; 46,1% na faixa etária de 31 a 40 anos; 61,5% solteiros e 57,6% empregados, de ensino médio e católicos. As menos freqüentes foram: 7,6% do sexo feminino; 7,6% com idade inferior a 20 anos; 15,3% casados; 3,8% aposentados; 25,3% ensino fundamental e 3,8% de religião budista. A procura no serviço, na sua maioria, por pacientes do sexo masculino em relação ao feminino explica a freqüência de 7,6% para o sexo feminino.
Tabela 1: Dados descritivos e comparativos das variáveis sócio-demográficas em freqüências absolutas e relativas.

Não-craving Craving Craving-doce Total
Variável Categorias n (%) n (%) n (%) n (%)
Sexo Masculino 9 (34,6) 7 (26,9) 8 (30,7) 24 (92,3)
Feminino 2 (7,6) 0 (0,0) 0 (0,0) 2 (7,6)
Faixa < 20 anos 1 (3,8) 1 (3,8) 0 (0,0) 2 (7,6)
Etária 21 a 30 4 (15,3) 2 (7,7) 3 (11,5) 9 (34,6)
31a 40 5 (19,2) 3 (11,5) 4 (15,3) 12 (46,1)
> 40 anos 1 (3,8) 1 (3,8) 1 (3,8) 3 (11,5)
Estado Solteiro 7 (26,9) 5 (19,2) 4 (15,3) 16 (61,5)
Civil Casado 2 (7,6) 1 (3,8) 1 (3,8) 4 (15,3)
Separado 2 (7,6) 1 (3,8) 3 (11,5) 6 (23,0)
Sit. Prof. Empregado 7 (26,9) 3 (11,5) 5 (19,2) 15 (57,6)
Desempregado 2 (7,6) 2 (7,6) 3 (11,5) 7 (26,9)
Aposentado 1 (3,8) 0 (0,0) 0 (0,0) 1 (3,8)
Estudante 1 (3,8) 2 (7,6) 0 (0,0) 3 (11,5)
Ensino Fundamental 2 (7,6) 0 (0,0) 2 (7,6) 4 (15,3)
Médio 5 (19,2) 5 (19,2) 5 (19,2) 15 (57,6)
Superior 4 (15,3) 2 (7,6) 1 (3,8) 7 (26,9)
Religião Católica 5 (19,2) 6 (23,0) 4 (15,3) 15 (57,6)
Evangélica 1 (3,8) 0 (0,0) 1 (3,8) 2 (7,6)
Espírita 3 (11,5) 0 (0,0) 1 (3,8) 4 (15,3
Budista 0 (0,0) 1 (3,8) 0 (0,0) 1 (3,8
Sem religião 2 (7,6) 0 (7,6) 2 (7,6) 4 (15,3)

Quanto ao grupo craving-doce (n = 8) as características sócio-demográficas mais freqüentes foram: 30,7% do sexo masculino; 15,3% na faixa etária de 31 a 40 anos; 15,3% solteiros; 19,2% empregados; 19,1% ensino médio e 15,3% católicos.
Os dados descritivos e comparativos das características clínicas são apresentados na tabela 2. A maioria da amostra, 61,5%, fazia uso dependente de cocaína; 19,2% de crack e 19,2% de cocaína e crack.
Quanto ao uso nocivo, abuso ou mesmo dependência de outras substâncias associadas à dependência de cocaína-crack, a maior freqüência foi de álcool-tabaco, 38,4%; seguida de dependência de tabaco, 30,7%. No grupo craving-doce a maior freqüência foi a associação álcool/tabaco, 23,0%. No que se refere à medicação, para 57,6% estava prescrita uma média de 10 a 20 mg/dia de benzodiazepínicos (BZDs) e 34,6% sem medicação psiquiátrica. Para o grupo craving-doce (n = 8), 6 ou 23,0% tinham prescrição de BZDs. A maioria das entrevistas (76,8%) foi realizada no período de 5 a 12 dias de abstinência.

Tabela 2: Dados descritivos e comparativos das variáveis clínicas em freqüências absolutas e relativas.
Não-craving Craving Craving-doce Total
Variável Categorias n (%) n (%) n (%) n (%)
Diagnóstico Cocaína 7* (26,9) 3 (11,5) 6 (23,0) 16 (61,5)
Crack 1 (3,8) 2 (7,6) 2 (7,6) 5 (19,2)
Cocaína-crack 3 (11,5) 2 (7,6) 0 (0,0) 5 (19,2)

Outras substâncias

Álcool 1 (3,8) 2 (7,6) 0 (0,0) 3 (11,5)
Tabaco 5 (19,2) 2 (7,6) 1 (3,8) 8 (30,7)
Cannabis 2 (7,6) 0 (0,0) 0 (0,0) 2 (7,6)
Álcool/tabaco 1 (3,8) 3 (11,5) 6 (23,0) 10 (38,4)
Cannabis/álcool 0 (0,0) 0 (0,0) 1 (3,8) 1 (3,8)
Tabaco/cannabis 1 (3,8) 0 (0,0) 0 (0,0) 1 (3,8)
Sem outras substâncias 1 (3,8) 0 (0,0) 0 (0,0) 1 (3,8)
Medicação
BZDs 5 (19,2) 4 (15,3) 6 (23,0) 15 (57,6)
BZDs+fluoxetina 1** (3,8) 0 (0,0) 0 (0,0) 1 (3,8)
BZDs+piracetan 1 (3,8) 0 (0,0) 0 (0,0) 1 (3,8)
Sem medicação 4 (15,3) 3 (11,5) 2 (7,6) 9 (34,6)

Período de abstinência

< 4 dias 0 (0,0) 1 (3,8) 0 (0,0) 1 (3,8)
de 5 a 8 dias 6 (23,0) 4 (15,3) 4 (15,3) 14 (53,8)
de 9 a 12 dias 3 (11,5) 1 (3,8) 2 (7,6) 6 (23,0)
> 12 dias 2 (7,6) 1 (3,8) 2 (7,6) 5 (19,2)

* um caso de cocaína injetável
** mantida a fluoxetina na admissão, porém não diagnosticado com transtorno depressivo.

Na tabela 3, 42,3% da amostra para ausência de craving. No grupo craving (n = 7) e no craving-doce (n = 8), 38,4% referiram mais de três vezes e 19,2% de uma a três vezes no período de abstinência. Quanto ao grupo craving-doce (n = 8), 23,0% referiram craving por mais de três vezes no período de abstinência, o que significa 75,0% em relação ao próprio grupo (6 ÷ 8.100 = 75,0%). De modo geral, o craving ocorria pela manhã, estimulado por um sonho relacionado à substância; ou, com mais freqüência, ao anoitecer estimulado por apologias à substância. Informaram que o aprendizado de buscar um alimento doce no craving ocorreu de forma natural.

Tabela 3: Ausência/presença de craving em freqüências absolutas e relativas.
Não-craving Craving Craving-doce Total
Ausência/presença n (%) n (%) n (%) n (%)
Ausente 11 (42,3) 0 (0,0) 0 (0,0) 11 (42,3)
Presença:
ƒi de 1 a 3 0 (0,0) 3 (11,5) 2 (7,6) 5 (19,2)
ƒi > 3 vezes 0 (0,0) 4 (15,3) 6 (23,0) 10 (38,4)

Na tabela 4 são apresentados os tipos de doces mais utilizados na superação do craving: chocolate ao leite (de duas a três barras; cerca de 60g a 90g), 62,5%; brigadeiro, 25,0% (média de quatro unidades) e goiabada, 12,5% (+ ou - 150g). É importante apontar que cinco desses pacientes, antes da internação, informaram que superavam situações de craving consumindo doces na tentativa de evitar ou substituir o uso da substância. Também informaram um exagerado consumo de doces e refrigerantes durante o crash como forma de "recuperar a energia".
Tabela 4: Tipo de doce consumido no controle do craving.

(n = 8)
Doce n %
Chocolate ao leite 5 (62,5)
Brigadeiro 2 (25,0)
Goiabada 1 (12,5)

Tabela 5: Consumo usual de alimento doce antes/durante a internação (abstinência) em freqüências absolutas e relativas.

Não-craving Craving Craving-doce Total
Consumo de doce n (%) n (%) n (%) n (%)

Antes da internação
Nenhum 4 (15,3) 3 (11,5) 2 (7,6) 9 (34,6)
1 a 2 vezes/semana 1 (3,8) 2 (7,6) 3 (11,5) 6 (23,0)
3 a 5 vezes/semana 4 (25,3) 1 (3,8) 2 (7,6) 7 (26,9)
Mais de 6 vezes/semana 2 (7,6) 1 (3,8) 1 (3,8) 4 (15,3)

Durante a internação

Nenhum 1 (3,8) 0 (0,0) 0 (0,0) 1 (3,8)
1 a 2 vezes/semana 1 (3,8) 0 (0,0) 0 (0,0) 1 (3,8)
3 a 5 vezes/semana 5 (19,2) 2 (7,6) 4 (15,3) 11 (42,3)
Mais de 6 vezes/semana 4 (15,3) 5 (19,2) 4 (15,3) 13 (50,0)

O consumo de alimento doce durante o uso da substância (antes da internação) e na abstinência (durante a internação), portanto não necessariamente relacionado à situação de craving, é apresentado na tabela 5. A maioria da amostra, 34,6%, disseram não consumir doces antes da internação; 26,9% consumiam alimento doce de 3 a 5 vezes na semana; 23,0% de uma a duas vezes na semana e 15,3% mais de seis vezes na semana. O grupo não-craving (n = 11) apresentou a maior freqüência de consumo de doces antes da internação, ou seja, 25,3% que consumiam doces de 3 a 5 vezes/semana. Durante a internação, 50,0% afirmaram consumir alimento doce mais de seis vezes/semana e 42,3% de três a cinco vezes/semana. Esse aumento estava relacionado não só ao consumo da sobremesa servida após as duas refeições principais, mas também ao consumo de outros doces e refrigerantes no decorrer do dia.

DISCUSSÃO
Por ser um impulso subjetivo, geralmente associado às lembranças dos efeitos reforçadores da substância, as variáveis sócio-demográficas, bem como suas respectivas categorias, pareceram não exercer diretamente uma relação com a presença ou ausência do craving. Os BZDs, utilizados nos primeiros dias para ajudar a superar sintomas de abstinência, depois retirados gradativamente, também pareceram não estar diretamente relacionados com o controle do craving (15,3% para n = 7 e 23,0% para n = 8).
É evidente que o fator dependência de cocaína crack é a condição essencial para a presença do craving. Entretanto, parece não ser o único, pois 42,2% referiram não sentir craving durante a primeira semana de abstinência ou de internação. É possível que, além da dependência da substância, devam existir outras variáveis, como disposições subjetivas e estímulos externos e, provavelmente, diferenças individuais. É importante notar, nos grupos que referiram presença de craving, uma relação com a associação álcool/tabaco, ou seja, 11,5% no grupo craving (n = 7) e 23,0% no grupo craving-doce (n = 8), embora a referência ao craving fosse informada exclusivamente para cocaína crack, portanto não ao álcool.
Quanto ao principal enfoque deste estudo, 30,7% da amostra referiram superar a situação de craving consumindo alimento doce com freqüência de uma a três vezes (n = 2) e mais de três vezes (n =6) durante o período de abstinência. Dessa maneira, este estudo mostrou que o consumo de doce como forma de superar o craving não pareceu ser um dado isolado.
No grupo craving-doce (n = 8) o consumo de chocolate ao leite ( n = 5; 62,5%) e brigadeiro, cuja composição básica é chocolate em pó, leite condensado e manteiga, (n = 2; 25,0%) foram os doces mais consumidos para a superação do craving.
TOMASO, BELTRAMO e PIOMELLI (1996)informaram que o chocolate contém substâncias que podem imitar os efeitos da cannabis, pois ativa os mesmos receptores neurais de canabinóides ou indiretamente aumentando os níveis de anandamida. O chocolate contém pequenas quantidades de anandamida, a qual é produzida naturalmente no cérebro em baixas quantidades. O chocolate aumentaria o nível de anandamida produzindo sensações de bem estar.
Os dados obtidos e analisados com o referencial teórico sugeriram algumas inferências sobre o consumo de doce (= açúcar) como forma de superar o craving.
Primeira: o consumo de açúcar teria um efeito placebo, quer dizer, o consumo de doce no craving e a sua conseqüente superação resultaria de um aprendizado de auto-sugestão.
Segunda: com base em WURTMAN e WURTMAN(1995), o consumo de açúcar no craving aumentaria o nível de serotonina no cérebro, regulando então o humor e eliciando uma situação de bem estar. SATEL et al (1995) relataram que sujeitos apresentaram menos desejo (craving induzido) por cocaína depois de terem consumido uma bebida com aminoácido com triptofano do que após o consumo de uma bebida de efeito placebo.
Terceira: o craving causaria uma diminuição do metabolismo de glicose no cérebro, principalmente nas áreas corticais, conforme descrito por JAFFE (1999a, 1999b) sobre a diminuição do metabolismo da glicose e o fluxo sangüíneo no cérebro em voluntários pós-adição de opióides e de cocaína. Com isso o consumo de açúcar durante o craving reequilibraria o metabolismo de glicose no cérebro.
Ainda, em referência ao chocolate sobre sua possível atividade no controle do craving, é possível que esteja mais relacionada ao açúcar contido em sua composição do que com as propriedades características do cacau em ativar receptores de canabinóides ou elevar o nível de anandamida, conforme informado por TOMASO, BELTRAMO e PIOMELLI (1996).
Na prática clínica é observado que há uma tendência dos dependentes em tratamento aumentar naturalmente o consumo de alimentos doces quando interrompem o uso da substância psicoativa. Essa tendência foi confirmada na amostra estudada, quando comparada ao consumo de alimento de doce antes da internação (no período de uso da substância) e durante a internação (na abstinência), onde 90,3% responderam consumir doces mais de três vezes por semana. Desse modo, o aumento do consumo de alimentos doces na abstinência seria uma forma natural para compensar a falta da cocaína crack ou para recuperar a desnutrição causada pelo consumo dessas drogas?
Considerando as limitações próprias de um trabalho clínico de observação, principalmente as limitações metodológicas e o número de sujeitos, os resultados deste estudo sugerem perspectivas não só para a elaboração de pesquisas experimentais, mas também questões no campo da neurociência, da nutrição clínica e do comportamento do dependente de substância psicoativa em tratamento.

Autor
José Antônio Zago joseantoniozago@ig.com.br
Psicólogo do Instituto Bairral de Psiquiatria - Itapira - SP.
Mestre em Educação pela Universidade Metodista de Piracicaba.

domingo, 27 de março de 2011

CÉU NA TERRA – SANTO DAIME - SAIA CORRENDO

O acesso a grupos daimistas é muito fácil, não existe nenhum impedimento. Foi assim que, levada pela minha incansável curiosidade, ou apelo, espiritual me vi dentro, por engano de informação, no Céu na Terra.
A ayhuasca é dada generosa e indiscriminadamente nesta orientação, os grupos são autônomos e cada “padrinho” (título do chefe) decide seu ritual que parte de um princípio de busca de autoconhecimento. Mas isso eu não sabia até vivenciar os efeitos que odiei plenamente. Talvez, se pudéssemos ficar apenas no sensorial, o ganho fosse significativo, uma terapia acelerada, mas não se tem escolha, as coisas simplesmente acontecem. Talvez se a dose tomada fosse menos generosa os efeitos devastadores não aparecessem, sei que pode ser assim por informação de meu filho, mas não vale a pena arriscar a menos que se conheça o grupo e se saiba que o controle é maior. O padrinho deste local é daimista há 21 anos e não sei o que este uso de 15 em 15 dias possa ter feito com seu discernimento.
Aqui vem gente de lugares distantes e me pergunto o que os atrai. Uruguaiana, Florianópolis, Curitiba. Longe demais uma vez que estas cidades também tem grupos daimista. No meu pequeno entender talvez venham aqui exatamente por que beberão muito e começo a compreender por que vem armados de colchonetes e cobertores, dormirão aqui para que o efeito se dissipe completamente.
Não posso deixar de fazer uma leitura psicanalítica e vejo uma justificativa forte para tomar este psicoativo poderoso que provoca, em primeira instância, contato sensorial com os sentimentos guardados em nosso inconsciente. Depois disso pode-se começar uma “viagem” psicodélica alucinante da qual tudo que eu queria era sair correndo. Cores, sons, imagens do que me cercava, mesmo de olhos fechados, existia em outra dimensão extrapolada, tudo era grande, extremamente colorido e, se possível descrever assim, redondo.
A ligação com o álcool também foi muito aguda com tudo que ele provoca. Levei minha mente de volta ao meu corpo e passei a sentir os efeitos da entrada da droga em minha corrente sanguínea. A contratação dos músculos das coxas, depois a zonzeira igual ao princípio de uma bebedeira, um sinal de que o mergulho seria mais profundo e os resultados péssimos, me dando apenas uma sensação de impotência e desgoverno de meu consciente. Sair deste estado foi uma luta constante, odeio a perda da racionalidade e tive a certeza desta verdade em mim. Queria vomitar e nada de ânsia de vômito, queria me levantar e tinha medo de cair. Ouvia as pessoas na volta em espasmos, lá fora, na grama. Isso era a espiritualidade?
Não consigo acreditar que encontrar com o mundo invisível seja esta coisa maluca e penso em Aldous Huxley e suas experiências com LSD para conhecer efeitos. Isso parece com LSD embora nunca tenha tomado, mas lido o suficiente. Já participei de tantos rituais espiritualistas, nenhum precisou de nada para abrir a sensibilidade.
No final das contas, o mundo espiritual é apenas uma parte de nosso mundo interno e é impossível, fora da fé, saber o que é real e o que não é, exatamente como com a ayhuasca. Tudo no mundo mental ou se acredita ou se descarta. Prefiro descartar esta mecânica perigosa. Se houver um gen de dependência em seu DNA o risco é imenso. Se gostar do efeito, lembre-se: o bom e fácil é um perigo iminente, se não gostar não volte mais para ver se aprende.
Vejo o padrinho “viajando” e falando coisas ridículas e infantis quando alguma pergunta parte deste pessoal crédulo que jura estar em contato com o mundo dos Orixás. Para mim ele é um encantador de serpentes que caça as mais terríveis que nos habitam, mesmo sob a forma de beleza. Entendo também que ficar tanto tempo “ligado” é impossível sem uso de alguma substância e por isso também no Batuque ou Candomblé se usa a bebida alcoólica. Nos trabalhos kardecista os atendimentos são rápidos apenas mentais, um cuidado para não permanecermos “tanto” do outro lado do mundo.
Analiso as pessoas que buscam o Santo Daime, muitas trêmulas e frágeis, outras mergulhadas em solidão e outras ainda apenas curtindo sob certa segurança o usufruto desta beberagem sagrada e psicodélica. Para mim são todas justificativas apenas, assim como um dependente químico as usa tão bem, escamoteando a verdadeira razão do uso que é o uso em si e seus efeitos.
Santo Daime quer mesmo dizer: Santo, dai-me o que preciso e se deixa a escolha do que precisamos para o santo, ou seja alguém ou algo escolhendo por nós, deixando à revelia nossa vontade sobre o que necessitamos, embora muitas vezes nem nós sabemos o que necessitamos exatamente, mas ainda prefiro o livre arbítrio com todas suas possibilidades de erros.
Voltar ao normal demora e isso me assusta e me dá culpa e raiva de ter sido tão ingênua. Quando o “padrinho” falou sobre terapia grupal e houve apenas comentários infantis sobre adoração ao Daime e a ele mesmo. Neste momento eu deveria ter visto o que se ativava sob este ritual e caído fora ligeirinho.
O budismo diz que tudo em que acreditas é verdade para ti. Fique cada um com sua verdade intransferível.
O acompanhamento dos aspectos negativos me deu certeza do que não quero para mim e o que não devo fazer por que quebrarei a cara. De certa forma um aviso de alerta bem consistente.
Como experiência sempre tem aprendizado é isso que carregarei comigo: o ódio mortal ao álcool, uma consciência espiritual que não precisa de nada para se manifestar, a dor que devo aprender a administrar por que não tem como arrancá-la e um até nunca mais, Santo Daime.


INFORMAÇÕES ADICIONAIS
Santo Daime
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Santo Daime

Santo Cruzeiro
Também conhecido como cruz de caravaca
O Santo Daime é uma manifestação religiosa surgida em plena região amazônica nas primeiras décadas do século XX. Consiste em uma doutrina espiritualista que tem como base o uso sacramental de uma bebida enteógena (para os psiquiatras, uma droga psicodélica, a ayahuasca, com o fim de catalisar processos interiores e espirituais sempre com o objetivo de cura e bem estar do indivíduo. A doutrina não possui proselitismo, sendo a pratica espiritual essencialmente individual, tendo o autoconhecimento e internalização comoo meios de obter sabedoria.
Segundo seus adeptos, a doutrina do Santo Daime é uma missão espiritual cristã, que encaminha os seus praticantes ao perdão e a regeneração do seu ser. Isto acontece porque o daimista, ao participar dos cultos e ingerir o Santo Daime inicia um processo de auto conhecimento, que visa corrigir os defeitos e melhorar-se sempre, para que possa um dia alcançar a perfeição (objetivo megalomaníaco na minha análise, ser Deus Perfeito não é para minha humanidade).
Nos rituais sempre há uma forte presença musical. São cantados hinos religiosos e são usados maracás, um instrumento indígena ancestral, na maioria dos locais de culto, além de violas, flautas, bongôs e atabaques.
Surgiu no estado brasileiro do Acre, no início do século XX, tendo como fundador o lavrador e descendente de escravos Raimundo Irineu Serra, que passou a ser chamado dentro da doutrina e por todos que o conheciam como Mestre Irineu. Após conhecer a bebida sacramental chamada de ayahuasca pelos nativos da região Amazônica, Irineu Serra teve uma visão de características marianas, em que um ser espiritual superior lhe entrega a missão do Santo Daime. (Muitos visionários dizem ter recebido missões divinas, grande parte terminaram em morte ou loucura – o grifo é meu).
Mestre Irineu não inventou a ayahuasca, foi apenas responsável pela cristianização do seu uso, rebatizando a bebida a partir do rogativo "Dai-me Amor", "Dai-me Firmeza". A nova seita religiosa mesclou elementos culturais diversos como as tradições caboclas e xamânicas, o catolicismo popular, o esoterismo e tradições afro-brasileiras.
Na década de 1930 inicia seus trabalhos espirituais com um pequeno grupo de seguidores nos arredores de Rio Branco e, com o passar dos anos, viu esse grupo aumentar em tamanho e importância no cenário acreano. Raimundo Irineu Serra faleceu em 6 de julho de 1971. Após seu falecimento, houve dissidências, sendo a mais famosa, a liderada por Sebastião Mota de Melo, a partir do início da década de 1980.
Em 2006, estimava-se em aproximadamente 10.000 os seguidores dessa doutrina no Brasil e no mundo. Há centros legalmente instituídos em quase todos os estados brasileiros e em países como Espanha e Países Baixos, além de grupos que celebram os cultos em países como Estados Unidos, Canadá, Japão, Argentina, Chile, Uruguai, Venezuela e Portugal.
A doutrina ficou então dividida em duas vertentes principais:
Inúmeros centros independentes ou não diretamente ligados ao núcleo primeiro ou seu dissidente, surgiram após a expansão para o resto do país. Um dos mais recentes desdobramentos desta expansão é o surgimento de centros independentes, que promovem sincretismos com a Umbanda, O Espiritismo, o Hinduísmo (a incorporação de várias filosofias o colocou como experiência espiritaul da Nova Era – grifo meu).
O uso ritual de substâncias psicoativas como a ayahuasca vem sendo discutido em vários países. No Brasil, o CONAD (Conselho Nacional Antidrogas) do Brasil, retirou a ayahuasca da lista de drogas alucinógenas conforme portaria publicada no Diário Oficial da União em 10 de novembro de 2004, permitindo o uso ritual.
O ministro da Cultura, Gilberto Gil, encaminhou em 2008 ao IPHAN, um processo para transformar o uso do chá de ayahuasca, em patrimônio imaterial da cultura brasileira. (Fala sério! Não sei se Gilberto Gil tem competência para tal postura – grifo meu).

Liturgia


Estrela utilizada pelos fardados.

Nas várias linhas atuais há diversos tipos de trabalhos, sendo considerados trabalhos oficiais da doutrina os relativos a datas festivas (como São João, Natal), os trabalhos de concentração (realizadas nos dias 15 e 30 de cada mês), os trabalhos de cura como Estrela e São Miguel. Dentro da Linha do Padrinho Sebastião, há ainda trabalhos mediúnicos como de Mesa Branca (Umbandaime).
Os trabalhos de concentração e cura são feitos com os participantes sentados em seus lugares, sempre divididos em homens de um lado, e mulheres de outro, em volta da mesa central.
Há também os trabalhos de bailado, em que os participantes executam passos individuais e padronizados durante a execução dos hinos. São três os ritmos utilizados nas cerimônias daimistas tradicionais, a marcha, a valsa e a mazurca. Cada ritmo tem seu próprio toque de maracá e seu passo específico. O objetivo é executar os hinos e o bailado com a máxima afinação entre os participantes, a corrente, a fim de que se possa atingir um estado de elevação de consciência.
Para participar de uma cerimônia daimista, é necessário usar roupas preferencialmente claras, evitando decotes, bermudas e blusas sem manga. Além disso, as mulheres devem usar saias abaixo dos joelhos. Os Daimistas utilizam um vestuário ritual em suas cerimônias, chamadas "fardas" (herança da cultura cabocla de seu fundador onde um homem fardado merecia respeito – meu grifo), sendo elas de dois tipos: uma chamada de farda branca e a outra chamada de farda azul, possuindo variações para homens e mulheres. Todo Daimista fardado traz na sua farda sobre o peito esquerdo a estrela de Salomão com a águia e a lua crescente, simbolizando uma visão do Mestre Irineu.

Fora da Amazônia


Cipó Jagube.
A "doutrina da floresta" acabou por se expandir pelo Brasil e pelo mundo. Ganhou muitos novos adeptos, incluindo pessoas famosas e de destaque na mídia. Como uma das características do Santo Daime é o conceito de Centro Livre, ou seja, o antidogmatismo e o não-sectarismo religioso, passou a sofrer influencia de diversas tradições espiritualistas e a dar origem a outras vertentes, muitas das quais distanciaram-se muito da doutrina do Mestre Irineu. Ao penetrar em áreas onde era grande a influência de religiões afro-brasileiras, acentua-se as influências negras que já estavam presente em menor escala na doutrina. Influencia a Umbanda também, pois esta passou a utilizar o chá em alguns pontos.
Existem diversos cultos espalhados pelo Brasil e pelo mundo que utilizam a ayhuasca como sacramento, como a UDV (união do Vegetal), proveniente de Rondônia, os "ayhuasqueiros" que utilizam a bebida de forma independente ou não-ritualistica, e que não devem ser confundidos com o Santo Daime.
Nos grandes centros do país, o Daime passou também a ser praticado por grupos de pessoas que já possuíam crenças alternativas, como as religiões orientais. Portanto o Santo Daime em alguns locais recebeu essas influências, em detrimento de suas origens caboclas. Apesar disso, as linhas autênticas de Daimistas estão empenhados e compromissados em manter e preservar as tradições do Santo Daime da forma como esta Doutrina foi vertida da floresta para o resto da humanidade.

Legislação para uso do chá


Dimetiltriptamina, ou DMT, o princípio ativo da ayahuasca.
Em janeiro de 2010 o governo brasileiro formalizou legalmente o uso religioso do chá ayahuasca, vetando o comércio e propagandas do mesmo, que só poderá ser utilizado com fins religiosos e não lucrativos, com a criação de um cadastro facultativo para as entidades que o utilizam. A bebida chegou a ser proibida no país em 1985, sendo liberada dois anos depois, e ocorreu uma nova tentativa de proibição nos anos 1990. Atualmente não havia impedimento para o uso do chá em cerimônias religiosas, porém não existiam orientações para o seu uso em conformidade com o direito.

Atualmente
Diversos centros estão espalhados pelo Brasil, a maioria seguindo fielmente a vertente originada na Amazônia por Mestre Irineu, estima-se que hoje em dia sejam cerca de 15000 adeptos em constante crescimento e contam com uma organização solidária e sem fins lucrativos (embora sob a égide de contribuição para o lanche distribuído, todo ele doado por “fardados”, pague-se um determinado montante - grifo meu).
Alguns centros estão situados em grandes cidades como São Paulo (Céu Sagrado, Jardim de Belas Flores, Céu de Maria, fundado pelo cartunista Glauco, e Céu da Capela, este último liderado por Padrinho Alexandre).
Em 2010, o cartunista Glauco Villas Boas foi assassinado por uma pessoa que frequentou a doutrina. A família do assassino acusa o consumo do chá, de levá-lo a ter delírios psicóticos que desencadeou o assassinato ( o uso da ayhuasca deve ser totalmente vetado a portadores de doenças mentais – grifo meu).
Cruz de Caravaca

A Cruz de Caravaca, também conhecida como Cruz de Lorena e Cruz de Borgonha, é uma relíquia cristã de origem espanhola.
Segundo a tradição, apareceu por milagre na cidade de Caravaca, Espanha, em 3 de Maio de 1232, e, por conter fragmentos do lenho da cruz de Cristo, eram-lhe atribuidos muitos milagres.
Em 1934 a cruz medieval desapareceu misteriosamente, sendo mais tarde foi restaurada por doação, pelo Papa Pio XII, de dois fragmentos do Santo Lenho.
A lenda medieval
De acordo com a lenda, à época da Reconquista cristã da península Ibérica, a região era governada pelo sultão Abu Zeyt e, na cidade de Caravaca havia prisioneiros, sendo um deles o sacerdoteGines Perez Chirinos.
Manifestando Abu Zeyt curiosidade sobre as práticas católicas, decidiu presenciar uma missa, ordenando que o sacerdote cativo lhe celebrasse uma. No dia marcado, o governante reuniu toda a sua família e corte para presenciar a cerimónia, dando ordens para que fosse dado ao sacerdote tudo o que ele necessitasse para o culto. À última hora, o sacerdote lembrou-se de ter esquecido a cruz. Com temor e com vergonha, antecipando a punição por sua falha, viu surgir, do nada, na janela acima de si, dois anjos carregando uma cruz de dois braços, toda de ouro e pedrarias.
O sultão e todos os muçulmanos presentes, impressionados, converteram-se ao catolicismo.

domingo, 23 de janeiro de 2011

AVIA MENTES

Hora do almoço.
Ufa, era sempre uma boa hora. Trabalho por necessidade, já poderia estar aposentada, mas os compromissos impedem o ansiado afastamento.
Estou com um peso muito acima do que posso carregar, então, mesmo que não é o regime i-deal, eu não almoço. Como uma porcaria qualquer e finjo que está ótimo. Sobra tempo para bater perna e fazer coisas que tornem o dia suportável.
Já está mais do que na hora de morrer, os algozes lá de cima não me dão esse brinde.
Ontem perdi um botão de meu casaco de guerra, preciso dar um jeito de encontrar outro igual. Adoro visitar a loja de aviamentos. Trancelins, fitas, aplicações, sianinhas, linhas de todas as cores, agulhas, tesouras especiais... Ai, meu peito se enche de alegria. Imagino as maravilhas que faria com essas belezuras.
Vim aqui procurar botões, me doutrino. Vou apenas olhar as outras coisas. Só de brincadeira.
Ana Cristina mexe e remexe nos balaios de promoção, é o que mais gosta. Sempre encontra alguma coisa imperdível. Não é supérfluo, amanhã ou depois precisará e, com certeza, terá que pagar o preço alto normal. No fundo é economia.
Em meio ao colorido desejo, ela está bem, leve. Esquece a família maluca que a come por uma perna. Um pensamento de lembrança atravessa a tranqüilidade. Franze o rosto, tem que visitá-los hoje, levar o rancho por que são incapazes de se manterem. Dependentes de tudo e para tudo.
Precisa não se esquecer dos pirulitos para o cachorro. A irmã diz que o bichinho chora se não come as bolas açucaradas. Aumentar a quantidade de leite. O cunhado é viciado em leite. Quem não acredita que vá ver. Três litros por dia, tomados às escondidas, a caixa cheirando o sovaco para ninguém ver e o copo sempre cheio na mão.
Quem paga as insanidades? Ela. Ana Cristina.
Cinco sobrinhos, seus filhos que por sua vez são piores que coelho, já tem rebentos. Criança para todo lado. Todos pendurados na casa da irmã que, por sua vez, pendura-se nela. Um varal de gente superposta umas às outras. Nem sabe como conseguem manter uma certa identidade na mistura promíscua de necessidades.
− Ah, que lindo este bordado inglês!
− É novidade. Lançamento. Lindo em dourado, não é mesmo? Temos também com prata. Vou mostrar.
− Eu vim procurar botões...
− Só para conhecer. Os botões temos em promoção.
Sacos e sacos de botões de todos os feitios e cores são espalhados no balcão.
− Um real cada. Uma oportunidade que não sei quando repetiremos.
Ana Cristina faz cálculos rápidos. É boa em números. Vive de adições, diminuições, multiplicações e divisões; principalmente divisões. Só de pensar em abandoná-los sente falta de ar, uma arritmia no coração. Só de pensar em gastar no mercado para eles, dá uma raiva terrível.
Separa quatro pacotes de botões, o bordado inglês lançamento, duas metragens de fitas e uma agulha própria para chuleados.
Sai.
Alguns metros à frente tem uma loja de artigos para bijuterias. Precisa ganhar mais dinheiro. Ouviu a notícia de que o leite subirá. Entra.
O curso de bijuteria foi muito útil. Precisa apenas de mais variedade de miçangas, contas e montadores. Talvez devesse levar mais uma caixa para guardar. Gosta das caixinhas repartidas por que fica tudo organizado, sem misturar o que facilita bastante o trabalho.
Chega à repartição carregada de coisas. Não tem nada de serviço para fazer e o chefe é muito mais moço que ela, tem respeito. Pode fazer o que quiser que ele não reclama, sorri e balança a cabeça: Essa Dona Ana...
Ela esparramou os botões sobre a mesa. São dezenas. Separa como quem cata feijão: cada tipo, cada cor, cada formato. Conversa com eles em pensamento, não será tão louca a ponto de falar em voz alta:
− Fica aqui, com teus irmãos. Tu, não, tua família é outra. Sozinho? Coitado... Não liga, é bom, ninguém te torra a paciência e nem te cobram nada. Família é um mal necessário. Imagina o que eu faria sem a minha? Estaria internada, com certeza. É por isso que ajudo. Não como tentam me convencer que sinto culpa por ter e eles não. Já passei os pecados, o pão que o diabo amassou. Como poderia sentir culpa?
Controlá-los? Deus me livre! Claro que do jeito que vivem é preciso estar aconselhando, cortando as arestas que nascem mais que erva daninha. Tira um ranço vem outro. São como crianças. Bem que gostaria de me livrar, mas...
Termina o expediente, ela junta toda a tralha separada em saquinhos que comprou na hora do cafezinho. Gosta de organização, tem que ser tudo padronizado. Nada de bagunça, um saco de cada jeito, de aproveitamento. Nada disso. Todos iguais.
Chega em casa e está contente, as compras nas mãos revigoram, passam uma sensação boa de preenchimento. São coisas dela, só dela.
O telefone toca. É o cunhado:
− Acabou a carne, os pobres cachorros, oito, não podem comer outra coisa, enfraquecem.
Ela corta o papo:
− Esteves, não tenho mais dinheiro. Vocês deixam de comer carne e dão para os cachorros. Pára de tomar tanto leite e dá a eles. Vocês pensam que sou saco sem fundo? Têm que aprender a administrar a comida. Parar de chamar a pobre vizinhança sem eira nem beira para comer aí.
− É tua irmã. Está doente, bem sabes quanto. Tu não tens coração. Ela é boa, caridosa. Meu salário se vai num vapt. Tens que ajudar.
Ana Cristina está indignada. Uma raiva disforme. A imagem da irmã, imensa, rodeada de cães, com um chicote de palavras na mão para ela e o marido. Para os demais a doçura do sentimento. Sente uma insuportável vontade de chorar. Que vida mais idiota, quer partir para lugar algum. Se ao menos a imagem do pai não voltasse junto.
É igual ao pai, servindo e servindo.
− Eles mudarão, ah, se mudarão!
Sabe que está falando asneira, eles não mudarão e nem ela.
Pega a bolsa e sai na noite fria. O supermercado é logo ali.
Mas é só mais dessa vez...